Os índios Guarulhos ou Guarus, conhecidos também na época como Guaruçus ou Gessaruçus, foram descritos pela primeira vez numa carta do padre Salvador do Vale, datada de 12 de setembro de 1648. Os Guarulhos viviam na floresta, do outro lado da Serra dos Órgãos, nas margens dos rios Piabanha e Paraíba, quando foram contatados e convencidos pelos jesuítas a abandonarem suas terras e se mudarem para o litoral. Vale a pena transcrever um pequeno trecho da carta do missionário, escrita no português da época: "São os Gessaruçus gente comumente limpa, e mais bem apessoada que as outras nações (...). Vivem como em comunidade, governam-se por um principal a quem exatamente obedecem. Costuma este todas as manhãs, ao romper da aurora, pregar-lhes na sua língua, incitando-os a que trabalhem para sustentar a vida. Acodem a esta admoestação, plantando legumes, para cujo apresto lhes deu a natureza industriosa uns paus com que rasgam a terra, vindo a não fazer falta a polícia da arte com seus artificiosos instrumentos. Não tem outro vestido mais que o que lhes deu a natureza".
O missionário, autor da carta, acha os costumes dos Guarulhos um pouco mais refinados que os de outros povos, com quem viviam em guerra. Descreve-os como muito valentes. Conta como foi celebrada a primeira missa na aldeia do rio Piabanha e narra o deslocamento de 400 deles para a Aldeia de Cabo Frio, no litoral, onde se submeteram ao sistema de catequese dos jesuítas. Eles também, como os Goitacá, desapareceram do mapa, sem deixar uma só palavra de sua língua.
Como encaravam a doença
Jean de Léry (1534-1611), nascido na França, sapateiro, estudante de teologia e missionário calvinista, embarcou com outros artesãos para o Brasil, como membro da expedição de Villegagnon. Escreveu um relato, cuja primeira edição é de 1578, narrando as experiências malogradas do projeto da França Antártica. Trata-se de um documento histórico e etnográfico valioso. O seguinte trecho foi retirado do cap.VIII do seu livro "Viagem à Terra do Brasil" (pp.111-112):
"No dia após nossa chegada a Guidoval, havia aparecido aí também um bando de Puris, que andavam errantes por estes lados. Eles rondavam tímidos as casas; ganharam afinal coragem para entrar e, depois de lhes ofertarmos uns presentinhos, pareciam dar-nos confiança e ficar de boa vontade perto de nós"(...) "Os índios pouco adoecem e, em geral, chegam a idade avançada, a qual muito raras vezes é indicada pelos cabelos brancos. Freqüente é morrerem de algum incidente ou violências. São sujeitos comumente a inflamações dos olhos e internas, a doenças de fígado, diarréias, disenteria e malária que se atribuem geralmente ao seu modo de vida nas matas úmidas e brumosas. Segundo opinam os portugueses, a inflamação dos olhos é produzida pelo uso da carne de anta. Entre os índios, que não se associam com os imigrantes, não há vestígio algum de sífilis, ou bexigas, sarampo; se, porém, lhes é levado o contágio dessas doenças, propagam-se com a máxima rapidez, e facilmente dão cabo deles. O seu mais importante meio de cura consiste em repouso e dieta. Logo que adoecem de qualquer maneira, acendem fogo perto da rede, deitam-se e ficam quietos durante muitos dias, observando jejum todo o tempo. Agravando-se o mal, chamam o pajé; este trata a parte doente com fumigações, com fricções de certas ervas, fomentações com saliva, massagem, soprando e cuspindo em cima. Dores devidas a ferimentos, suportam-nas os índios com incrível insensibilidade e, quando necessário, se sujeitam, sem receio, a abundantes sangrias ou à amputação de um membro. Eles praticam a punção da veia, dardejando sobre o braço uma flechazinha com ponta de cristal, lançada por um pequenino arco. As escarificações são feitas com uma lasca de cana pontuda ou com uma pederneira bem afiada."
Índígenas aldeados nas chamadas "aldeias de repartição"
No Rio de Janeiro, já no séc. XVII, mesmo depois da entrada de fortes contingentes de negros, a mão-de-obra indígena voltou a ser a principal alternativa para os engenhos, quando os holandeses invadiram Pernambuco, principal centro de produção açucareira, e ocuparam Angola e outros pontos da África portuguesa, provocando um colapso no abastecimento de mão-de-obra escrava africana.
Os paulistas se encarregaram, então, do lucrativo comércio de índios, organizando bandeiras e expedições para caçá-los nas regiões mais distantes do país, inclusive em aldeias controladas pelos jesuítas, vendendo-os depois para os engenhos de Rio e São Paulo.
A escravidão dos índios vigorou em toda a América portuguesa até 1755, quando foi oficialmente abolida no Pará e no Maranhão pela Lei de 6 de junho daquele ano, cujos dispositivos foram ampliados para todo o Brasil pelo Alvará de 8 de maio de 1758.
Na segunda metade do séc. XVIII, o trabalho compulsório dos índios continuou, mas não mais sob a forma de escravidão. Esta só voltaria a existir legalmente, por um curto período de tempo, em pleno século XIX, com a chegada da família real ao Brasil, quando o Príncipe Regente, depois de fugir das tropas napoleônicas, decretou guerra ofensiva aos Botocudo em Minas Gerais. Os índios presos nessa guerra foram distribuídos entre os oficiais e soldados da tropa, tornando-se escravos deles durante 15 anos, "contados desde o dia em que forem batizados". O batismo e a escravidão aparecem assim unidos de uma forma muito clara no texto da lei. Essa legislação só começou a ser modificada a partir de 1831.
Qual foi a real importância dos índios escravos na economia colonial fluminense? Não foi feito ainda um levantamento rigoroso para responder esta pergunta. No entanto, alguns estudos recentes estão começando a reavaliar a contribuição da mão de obra indígena para a economia açucareira do litoral. É o caso da pesquisa realizada por John Monteiro mostrando que "foi justamente neste período - fase ainda incipiente do tráfico de escravos africanos - que houve a mais acentuada expansão açucareira".
De qualquer forma, as conseqüências desse processo são conhecidas. Os índios arrancados de suas aldeias e escravizados perderam - junto com a liberdade - a cultura, a vida comunitária e a própria identidade indígena. Os que sobreviveram e seus descendentes, destribalizados, sem terra, muitas vezes sem ter com quem compartilhar a própria língua, acabaram se confundindo com a população mestiça neo-brasileira. Um processo similar foi vivido pelos índios aldeados nas chamadas "aldeias de repartição".
* * *
O balanço feito pelo padre José de Anchieta em 1580 sobre o que havia acontecido com os índios da Bahia pode muito bem ser aplicado aos índios do Rio de Janeiro:
“A gente que de vinte anos a esta parte é gastada nesta Baía, parece cousa que não se pode crer; porque nunca ninguém cuidou, que tanta gente se gastasse nunca, quanto mais em tão pouco tempo".
O sistema colonial gastou também os índios do Rio de Janeiro, dizimados pelas tropas de guerra e de resgate, pelos descimentos, pelo trabalho forçado, pelas epidemias e pela fome, numa catástrofe demográfica de grandes proporções.
Primeiro, foram os povos Tupis do litoral, nos séculos XVI e XVII. Depois, nos séculos XVIII e XIX, foi a vez dos Puris, Coroados e Coropós, que haviam resistido até então na área da bacia do rio Paraíba.
Dos inúmeros aldeamentos existentes no Rio, formados em sucessivas datas ao longo de todo o período colonial, apenas quinze conseguiram chegar ao século XIX, conservando elementos da identidade tribal.