Esses índios, considerados "indios de paz" ou "índios amigos", eram catequizados, batizados e aldeados em outras áreas, de onde eram periodicamente retirados para prestarem serviço aos colonizadores.
Ao sistema colonial, não interessava a dispersão dos índios em aldeias autônomas, espalhadas ao longo do litoral, mas a sua concentração em espaços localizados próximos aos núcleos produtivos sob o controle dos portugueses. Tratava-se de criar "celeiros" de mão-de-obra, de onde pudessem ser retirados os índios necessários para o trabalho e para a guerra. Essa foi uma necessidade sentida desde os primeiros momentos, conforme atestam diferentes documentos.
O Regimento a Tomé de Sousa, de 1548, onde estão definidas as diretrizes para o Governo Geral do Brasil, determina em seu penúltimo parágrafo que os índios tornados cristãos não deviam continuar vivendo em suas aldeias de origem, misturados com outros índios não batizados. Recomenda a sua transferência para "perto das povoações das ditas capitanias, para que conversem com os cristãos e não com os gentios, e possam ser doutrinados e ensinados nas coisas de nossa fé". A operação responsável por essa mudança era chamada de descimento.
Esses aldeamentos missionários, chamados também de "aldeias de repartição", estavam integrados ao sistema colonial, funcionando como uma espécie de "armazém" onde os índios, uma vez descidos, eram estocados. Aí, depois de catequizados, eram alugados, distribuídos e repartidos entre os colonos, os missionários e o Serviço Real da Coroa Portuguesa, para quem deviam, obrigatoriamente, trabalhar em troca de um pagamento, por um determinado período que variou de dois a seis meses, findo o qual deveriam ser devolvidos à aldeia.
Por isso, a documentação oficial os registra como índios de repartição, ou ainda impropriamente, como índios livres, para melhor distinguí-los dos índios escravos. Para eles, os jesuítas desembarcados com o primeiro governador--geral deveriam criar aldeias especiais, que serviriam de núcleos de cristianização e centros de "conversão do gentio à nossa santa fé católica", conforme previsto por D. João III, que formula os princípios norteadores da catequese no Regimento a Tomé de Sousa.
Seu objetivo principal era mesmo concentrar os índios, de nações e culturas diferentes, em um local de fácil acesso, onde pudessem ser catequizados e "civilizados", aprendendo os princípios da religião cristã e certos valores como obediência e disciplina, que os tornavam aptos para serem integrados ao sistema colonial como força de trabalho.
A ação catequista, inaugurada pelos jesuítas, é adotada por missionários de outras ordens religiosas como a dos capuchinhos, franciscanos e carmelitas.
Durante todo o período colonial, houve uma disputa entre missionários - especialmente jesuítas - e moradores portugueses pelo governo das aldeias e a repartição dos índios. Quem controlava a distribuição da força de trabalho indígena, detinha um poder real de gerar riquezas.
No século XVI, os missionários administraram as aldeias com exclusividade, detendo o poder espiritual e o poder temporal sobre elas. No século XVII, quando a mão de obra indígena havia se tornado escassa, os padres tiveram que compartilhar o poder temporal com os colonos que, em vários momentos, obtiveram - e depois perderam - o direito de governar essas aldeias.
Pela Lei de 1611, por exemplo, os descimentos continuavam exigindo a presença de um missionário, mas passaram a ser realizados com escolta militar e comandados por colonos que tinham a função de "capitães de aldeia", com o poder de repartir os índios aldeados. Legislação posterior de 1639 devolveu o controle aos missionários, o que revoltou os moradores, que ameaçaram expulsar os jesuítas do Rio de Janeiro.
Como remuneração, os índios aldeados ganhavam alguns metros de pano de algodão, tecido pelas próprias índias. A condição de vida e de trabalho deles não diferia muito daquela dos índios escravos: jornada excessiva de até 14 e 16 horas, alimentação inadequada e insuficiente, castigos e maus tratos. Por isso, sempre que podiam, fugiam das aldeias, cujo constante esvaziamento era causado em grande parte por essas fugas, mas também pelo fato de que muitos moradores não devolviam os índios às aldeias no prazo estipulado e criavam mecanismos para retê-los de forma permanente em seus estabelecimentos particulares.
Um desses mecanismos era o casamento. Os colonos casavam índias escravas de sua propriedade com índios a eles alugados por alguns meses. No momento de devolvê-los à aldeia, recusavam-se a fazê-lo, alegando o vínculo sagrado do matrimônio. Essa forma paralela de transformar o índio de repartição em escravo tornou-se tão usual que, no final do século XVII, para coibi-la, o governador do Rio de Janeiro proibiu formalmente esse tipo de casamento, o que foi aprovado por Carta Régia de 30 de outubro de 1698.
O esvaziamento das aldeias obrigava a promoção de novos e constantes descimentos para repovoá-las, trazendo-se índios inclusive de outras capitanias, como é o caso dos Tupiniquins, deslocados do Espírito Santo para a ilha do Governador, no século XVI, ou dos 405 índios Carijó, descidos da região de Laguna, no litoral de Santa Catarina, em 1628, pelos jesuítas e instalados na aldeia de Guaratiba, segundo documentação estudada pelo padre Serafim Leite: "O Governador do Rio, Martim de Sá, por terem descido por ordem de El-Rei e sua, mandou, a 21 de setembro de 1628, que se lhes desse mantimento e ferramenta por espaço de seis meses até os Índios lavrarem as terras e se poderem sustentar. Dois anos depois, a Aldeia podia dar 43 carijós, homens válidos, para as obras de defesa do Rio".