Em tempo de guerra, as aldeias de repartição forneciam os soldados das tropas que defendiam o território dos ataques feitos aos portugueses. Em tempos de paz, forneciam os braços para a construção de fortalezas, obras públicas, abertura de estradas, engenhos e outros serviços.
O padre Antonio Vieira, em carta ao Marquês de Nisa, em 1648, depois de lembrar a participação histórica dos índios na luta contra os franceses, considera o Rio de Janeiro como o lugar mais protegido do Brasil naquele momento, "porque tem muitas aldeias vizinhas de índios vassalos de Sua Majestade", capazes de defender a cidade e de socorrê-la por terra.
Quase um século depois, os índios das aldeias de Cabo Frio, São Barnabé e outras aldeias, repartidos em grupos "de cinqüenta e sessenta e mais índios, alternadamente, se revezavam de dois em dois meses, no Serviço de S. Majestade", com uma participação decisiva na abertura de estradas, na construção de grandes obras como o Aqueduto da Carioca, a Casa de Fundição, o Senado, o aterro de áreas para a abertura de novas ruas e em engenhos de particulares.
O fornecimento de índios alugados passou a ser feito também por alguns aldeamentos especiais, criados para fins específicos: aldeias do serviço real, aldeias da Câmara, de particulares e de missionários.
A descoberta e exploração de jazidas de ouro em Minas Gerais tornou o Rio de Janeiro, no século XVIII, peça chave na economia colonial. O porto do Rio, por onde já se exportava açúcar, passou a ser o principal escoadouro de metais e pedras preciosas e o maior centro comercial da colônia.
Esta nova situação determinou a necessidade de uma ligação mais rápida, direta e segura com a Capitania de Minas Gerais, aposentando a velha "trilha dos Guaianases" e exigindo a abertura de novas estradas. A construção dos caminhos, entregue a particulares mediante a concessão de sesmarias e outros privilégios, contou com a força de trabalho indígena, tanto o "Caminho Novo" aberto por Garcia Rodrigues em 1698, como uma de suas variantes construída por Bernardo Soares Proença em 1722. Os índios das aldeias foram chamados, uma vez mais, para prestar os seus serviços de caráter público e atender as exigências das autoridades, que arrebanhavam todos os índios das aldeias, o que era considerado exorbitante pelos jesuítas.
Não foi feito até hoje um inventário das centenas de descimentos realizados no período colonial para abastecer de índios as chamadas aldeias de repartição, nem muito menos um estudo demográfico sobre a evolução da população indígena aldeada no Rio de Janeiro ou uma análise mais acabada da catequese à qual foi submetida e da resistência organizada pelos índios.
A rigor, não foi realizado sequer um mapeamento das aldeias que existiram, muitas das quais foram progressivamente extintas, havendo apenas quinze delas alcançado o século XIX.
Tais estudos são necessários para dimensionar a importância dos índios aldeados na economia fluminense, capaz de permitir estabelecer um paralelo com a mão de obra escrava, tanto indígena como africana.
Apesar disso, alguns resultados da política de aldeamento são conhecidos, em suas linhas gerais: o deslocamento de grandes contingentes da população nativa de um lugar para outro, as migrações forçadas, a conversão do índio através da catequese, a perda da liberdade e a eliminação de sua identidade tribal.
Reordenou-se, assim, a ocupação do espaço do litoral fluminense, destruindo-se os núcleos indígenas tradicionais, relativamente autônomos, onde cada povo vivia de acordo com a sua própria cultura. No lugar deles, foram criadas as chamadas aldeias de repartição, com estrutura e funcionamento completamente diferentes, destinadas a fornecer mão de obra servil e militar para a empresa colonial.
Nesses aldeamentos, os costumes indígenas, considerados pelos padres como anormais, selvagens e bárbaros, passaram a ser combatidos metodicamente pela catequese. A ciência, os saberes e os conhecimentos acumulados coletivamente pelos índios durante muitos séculos foram discriminados, desprezados e inferiorizados, perdendo-se parte expressiva deles, da mesma forma que a literatura oral, a língua, a música, a cerâmica e a arte indígena.
A organização social e política, o sistema de poder, a religião, a própria língua e toda a cultura milenar tradicional dos diferentes grupos indígenas sofreram um golpe mortal. Essas sociedades deixaram de ser livres e passaram a ser comunidades controladas cultural e espacialmente pelos portugueses, que a utilizaram como um meio eficaz de desarticulação de outros grupos indígenas do litoral.
Por isso, o pesquisador precisa ficar muito atento, quando os documentos dessa época referem-se a aldeias indígenas, para identificar de que tipo de aldeia se trata. Havia a aldeia original criada pelos próprios índios, onde eles viviam com relativa autonomia e independência, fora do sistema colonial. Mas havia também a aldeia criada e controlada pelos portugueses - os aldeamentos missionários - para onde povos inteiros eram transferidos e submetidos a outro tipo de vida.