PROJETO: LIVRO SOBRE ALDEIA VELHA

Blog Aldeia Velha-Ipuca: não é um diário, como outros blogs - é um caderno de apontamentos das pesquisas

Autores: Sonia Regina e Fernando Oliveira - Produção: Rômulo Melo, da Pousada Beira-Rio

Parceiros: Pousada Beira-Rio , Pousada da Aldeia ,

Apoio: Secretário de Educação e Cultura e Vice-Prefeito Fernando Augusto Bastos da Conceição e Subsecretário de Turismo Antonio Henrique

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A 115km do Rio de Janeiro - no km 215 da BR 101 (mapa e dicas) - e aos pés da Serra do Mar, Aldeia Velha está cercada pela Mata Atlântica que abriga o raro mico-leão-dourado. De dia pode-se passear a cavalo e a pé, tomar banho no rio e nas várias cachoeiras. Antes do descanso nos campings ou pousadas vale conhecer os barzinhos abertos toda a noite. (fotos e slides).

Os 80 posts publicados desde 04.2 são sorteados para leitura a cada atualização desta página: ACESSE-OS em Postagens Aleatórias - na coluna da direita, onde também estão as parcerias. Atualmente estamos nos dedicando à releitura, compilação de dados e início das escrituras.

Continuem conosco e boas leituras!

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Os resgates: os "índios de corda" 3

"(...) O resgate era uma operação comercial realizada entre portugueses
e índios considerados amigos. Os portugueses davam mercadorias européias
- ferramentas, miçangas e quinquilharias - e recebiam em troca índios
prisioneiros de tribos aliadas, que haviam sido capturados durante as guerras
intertribais. Os resgates constituiam, portanto, uma troca de objetos por
índios.
No entanto, só podiam ser legalmente "resgatados" os chamados
"índios de corda", isto é, os índios prisioneiros de uma tribo que se
encontravam presos e amarrados e que estavam destinados a ser comidos
ritualmente. O resgate era apresentado assim como uma obra humanitária
para salvar o índio condenado à morte. Como compensação pelos gastos
realizados para salvar sua vida e sua alma, o índio resgatado era obrigado a
trabalhar, como escravo, para o seu "salvador". Observa-se na
documentação histórica uma acentuada tendência dos portugueses em
classificar o maior número de tribos como antropófagas - mesmo que não
praticassem o canibalismo - para desta forma poder escravizar legalmente
seus prisioneiros.
Durante todo o período colonial, a legislação variou, ora
permitindo a escravização dos índios, ora probindo, ora restringindo, mas
em nenhum momento conseguindo impedi-la, nem sequer quando os
jesuítas tentaram executar a Bula do Papa Urbano VIII, de 1639, que
excomungava os que vendiam e escravizavam índios. Nessa ocasião, os
moradores portugueses e a Câmara do Rio de Janeiro não hesitaram em
rebelar-se contra os jesuítas, que para não serem expulsos da cidade,
assinaram um acordo desistindo dos direitos que acreditavam ter sobre os
índios.
No Rio de Janeiro, já no séc. XVII, mesmo depois da entrada de
fortes contingentes de negros, a mão-de-obra indígena voltou a ser a
principal alternativa para os engenhos, quando os holandeses invadiram
Pernambuco, principal centro de produção açucareira, e ocuparam Angola e
outros pontos da África portuguesa, provocando um colapso no
abastecimento de mão-de-obra escrava africana. Os paulistas se
encarregaram, então, do lucrativo comércio de índios, organizando
bandeiras e expedições para caçá-los nas regiões mais distantes do país,
inclusive em aldeias controladas pelos jesuítas, vendendo-os depois para os
engenhos de Rio e São Paulo.
A escravidão dos índios vigorou em toda a América portuguesa até
1755, quando foi oficilmente abolida no Pará e no Maranhão pela Lei de 6
de junho daquele ano, cujos dispositivos foram ampliados para todo o Brasil
pelo Alvará de 8 de maio de 1758.
Na segunda metade do séc. XVIII, o trabalho compulsório dos
índios continuou, mas não mais sob a forma de escravidão. Esta só voltaria a
existir legalmente, por um curto período de tempo, em pleno século XIX,
com a chegada da família real ao Brasil, quando o Príncipe Regente, depois
de fugir das tropas napoleônicas, decretou guerra ofensiva aos Botocudo em
Minas Gerais. Os índios presos nessa guerra foram distribuídos entre os
oficiais e soldados da tropa, tornando-se escravos deles durante 15 anos,
"contados desde o dia em que forem batizados". O batismo e a escravidão
aparecem assim unidos de uma forma muito clara no texto da lei. Essa
legislação só começou a ser modificada a partir de 1831.
Qual foi a real importância dos índios escravos na economia
colonial fluminense? Não foi feito ainda um levantamento rigoroso para
responder esta pergunta. No entanto, alguns estudos recentes estão
começando a reavaliar a contribuição da mão de obra indígena para a
economia açucareira do litoral. É o caso da pesquisa realizada por John
Monteiro mostrando que "foi justamente neste período - fase ainda
incipiente do tráfico de escravos africanos - que houve a mais acentuada
expansão açucareira".
De qualquer forma, as conseqüências desse processo são
conhecidas. Os índios arrancados de suas aldeias e escravizados perderam -
junto com a liberdade - a cultura, a vida comunitária, e a própria identidade
indígena. Os que sobreviveram e seus descendentes, destribalizados, sem
terra, muitas vezes sem ter com quem compartilhar a própria língua,
acabaram se confundindo com a população mestiça neo-brasileira. Um
processo similar foi vivido pelos índios aldeados nas chamadas "aldeias de
repartição". (...)"


José Ribamar Bessa Freire
Márcia Fernanda Malheiros