Desta forma, o próprio reitor do Colégio Jesuíta no Rio de Janeiro, padre Gregório Serrão (1529-1586), justificou a escravização dos índios nessa época, alegando que não havia outra saída:
"E porque não há gente de trabalho nestas partes para alugar por jornal, nem os materiais se acham de compra, nos é necessário têrmos muita escravaria e gente da terra, governada e mantida de nossa mão".
Havia duas formas de transformar em escravo aquele índio que vivia livremente em sua aldeia de origem. Obtinha-se escravos indígenas através da guerra justa e do resgate, ambas as formas aprovadas pelo rei, abençoadas pela religião e executadas com o apoio dos colonos e até mesmo de índios aliados.
As guerras justas: os índios cativos
A guerra, denominada impropriamente de justa, consistia na invasão armada dos territórios indígenas, pelas tropas de guerra, com o objetivo de capturar o maior número de pessoas, incluindo mulheres e crianças. Os índios assim aprisionados tornavam-se propriedade de seus captores ou eram vendidos como escravos aos colonos, à Coroa Portuguesa e aos próprios missionários. Tratava-se, ao mesmo tempo, de uma operação
de recrutamento da força de trabalho e de desalojamento dos índios de suas terras. Em carta ao governador Tomé de Sousa, de 5 de julho de 1559, o padre Manoel da Nóbrega reconhecia este duplo objetivo, ao recomendar que a terra e os índios que nela habitavam fossem repartidos entre aqueles colonos cristãos "que os ajudarem a conquistar e senhorear".
A Coroa Portuguesa legalizou esta forma de obter escravos índios desde o Regimento a Tomé de Sousa, datado de 17 de dezembro de 1548. Nesse documento, D. João III recomendava que a guerra contra os
Tupinambá os castigasse com muito rigor, "destruindo-lhes suas aldeias e povoações e matando e cativando aquela parte deles que vos parecer que basta para seu castigo e exemplo".
As expedições realizadas por tropas de guerra, inclusive por iniciativa de particulares, foram tantas, que escaparam do controle oficial e exterminaram uma parte significativa da população indígena do litoral, fazendo escassear a mão-de-obra. Deixaram de ser dirigidas exclusivamente contra os Tupinambá, aliados aos franceses, e acabaram atingindo indiscriminadamente até mesmo grupos que mantinham relações pacíficas com os portugueses, conforme reconhece o rei de Portugal, D. João III, em 1548:
"Eu sou informado que nas ditas terras e povoações do Brasil há algumas pessoas que têm navios e caravelões e andam neles dumas capitanias para as outras e que, por todas as vias e maneiras que podem,
salteiam e roubam os gentios, que estão de paz, e enganosamente os metem nos ditos navios e os levam a vender a seus inimigos e a outras partes, e que, por isso, os ditos gentios se alevantam e fazem guerra aos cristãos".
Por isso, a Coroa Portuguesa resolveu regulamentar as "guerras justas", estabelecendo algumas condições, sem o cumprimento das quais a escravidão do índio se tornava ilegal e o cativeiro injusto. Uma lei de 20 de
março de 1570, do rei D. Sebastião, determinou que só podiam ser escravizados os índios aprisionados naquelas "guerras justas" que fossem autorizadas pelo rei, contassem com a permissão do governador ou fossem feitas contra os índios "que costumam saltear os Portugueses e a outros gentios para os comerem". Posteriormente, outras leis acrescentaram novos critérios, muito genéricos, permitindo a guerra justa contra os índios que atacassem os portugueses ou impedissem a propagação do Evangelho.
Essa não era, no entanto, a única forma legal de escravizar os índios. Havia outra: o resgate. (...)"
José Ribamar Bessa Freire
Márcia Fernanda Malheiros