PROJETO: LIVRO SOBRE ALDEIA VELHA

Blog Aldeia Velha-Ipuca: não é um diário, como outros blogs - é um caderno de apontamentos das pesquisas

Autores: Sonia Regina e Fernando Oliveira - Produção: Rômulo Melo, da Pousada Beira-Rio

Parceiros: Pousada Beira-Rio , Pousada da Aldeia ,

Apoio: Secretário de Educação e Cultura e Vice-Prefeito Fernando Augusto Bastos da Conceição e Subsecretário de Turismo Antonio Henrique

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A 115km do Rio de Janeiro - no km 215 da BR 101 (mapa e dicas) - e aos pés da Serra do Mar, Aldeia Velha está cercada pela Mata Atlântica que abriga o raro mico-leão-dourado. De dia pode-se passear a cavalo e a pé, tomar banho no rio e nas várias cachoeiras. Antes do descanso nos campings ou pousadas vale conhecer os barzinhos abertos toda a noite. (fotos e slides).

Os 80 posts publicados desde 04.2 são sorteados para leitura a cada atualização desta página: ACESSE-OS em Postagens Aleatórias - na coluna da direita, onde também estão as parcerias. Atualmente estamos nos dedicando à releitura, compilação de dados e início das escrituras.

Continuem conosco e boas leituras!

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Os descimentos: as aldeias de repartição 5

" (...) Os descimentos eram expedições, em princípio não militares,
realizadas por missionários, com o objetivo de convencer os índios que
"descessem" de suas aldeias de origem para viverem em novos aldeamentos
especialmente criados para esse fim, pelos portugueses, nas proximidades
dos núcleos coloniais.
Esses aldeamentos missionários, chamados também de "aldeias de
repartição", estavam integrados ao sistema colonial, funcionando como
uma espécie de "armazém" onde os índios, uma vez descidos, eram
estocados. Aí, depois de catequizados, eram alugados e distribuídos -
repartidos - entre os colonos, os missionários e o serviço real da Coroa
Portuguesa, para quem deviam obrigatoriamente trabalhar em troca de um
pagamento, por um determinado período - que variou de dois a seis meses -
findo o qual deveriam ser devolvidos à aldeia.
Por isso, a documentação oficial os registra como índios de
repartição, ou ainda impropriamente como índios livres para melhor
distingui-los dos índios escravos. Para eles, os jesuítas desembarcados com
o primeiro governador-geral deveriam criar aldeias especiais, que serviriam
de núcleos de cristianização e centros de "conversão do gentio à nossa
santa fé católica", conforme previsto por D. João III, que formula os
princípios norteadores da catequese no Regimento a Tomé de Sousa.
Desrespeitando a localização das malocas tradicionais, as aldeias
missionárias foram efetivamente situadas em locais próximos aos povoados
portugueses. Possuiam uma igreja ou capela, uma escola e casas para cada
família, bem diferentes das malocas comunitárias e da vida que os índios
levavam em suas aldeias de origem. Seu objetivo principal era mesmo
concentrar os índios, de nações e culturas diferentes, em um local de fácil
acesso, onde pudessem ser catequizados e "civilizados", aprendendo os
princípios da religião cristã e certos valores como obediência e disciplina,
que os tornavam aptos para serem integrados ao sistema colonial como força
de trabalho.
A ação catequista, inaugurada pelos jesuítas, é adotada por
missionários de outras ordens religiosas como a dos capuchinhos,
franciscanos e carmelitas. Durante todo o período colonial, houve uma
disputa entre missionários - especialmente jesuítas - e moradores
portugueses pelo governo das aldeias e a repartição dos índios. Quem
controlava a distribuição da força de trabalho indígena, detinha um poder
real de gerar riquezas.
No século XVI, os missionários administraram as aldeias com
exclusividade, detendo o poder espiritual e o poder temporal sobre elas. No
século XVII, quando a mão de obra indígena havia se tornado escassa, os
padres tiveram que compartilhar o poder temporal com os colonos que, em
vários momentos, obtiveram - e depois perderam - o direito de governar
essas aldeias. Pela Lei de 1611, por exemplo, os descimentos
continuavam exigindo a presença de um missionário, mas passaram a ser
realizados com escolta militar e comandados por colonos que tinham a
função de "capitães de aldeia", com o poder de repartir os índios aldeados.
Legislação posterior de 1639 devolveu o controle aos missionários, o que
revoltou os moradores, que ameaçaram expulsar os jesuitas do Rio de
Janeiro.
A legislação, determinando quem controlava os índios, mudava
frequentemente, mas a repartição nunca deixou de ser feita. Todos os índios
aldeados, homens e mulheres em idade de trabalhar, eram obrigados
periodicamente a prestar serviços dentro e fora da aldeia, num sistema
rotativo em que uma parte dos índios trabalhava nas roças da aldeia,
enquanto a outra parte exercia suas atividades fora dela, em geral nas
plantações, fazendas e estabelecimentos dos moradores portugueses.
Como remuneração, os índios aldeados ganhavam alguns metros de
pano de algodão, tecido pelas próprias índias. A condição de vida e de
trabalho deles não diferia muito daquela dos índios escravos: jornada
excessiva de até 14 e 16 horas, alimentação inadequada e insuficiente,
castigos e maus tratos.
Por isso, sempre que podiam, fugiam das aldeias, cujo constante
esvaziamento era causado em grande parte por essas fugas, mas também
pelo fato de que muitos moradores não devolviam os índios às aldeias no
prazo estipulado e criavam mecanismos para retê-los de forma permanente
em seus estabelecimentos particulares.
Um desses mecanismos era o casamento. Os colonos casavam
índias escravas de sua propriedade com índios a eles alugados por alguns
meses. No momento de devolvê-los à aldeia, recusavam-se a fazê-lo,
alegando o vínculo sagrado do matrimônio. Essa forma paralela de
transformar o índio de repartição em escravo tornou-se tão usual que, no
final do século XVII, para coibi-la, o governador do Rio de Janeiro proibiu
formalmente esse tipo de casamento, o que foi aprovado por Carta Régia de
30 de outubro de 1698.
O esvaziamento das aldeias obrigava a promoção de novos e
constantes descimentos para repovoá-las, trazendo-se índios inclusive de
outras capitanias, como é o caso dos Tupinikin, deslocados do Espírito
Santo para a ilha do Governador, no século XVI, ou dos 405 índios Carijó,
descidos da região de Laguna, no litoral de Santa Catarina, em 1628, pelos
jesuítas e instalados na aldeia de Guaratiba, segundo documentação
estudada pelo padre Serafim Leite:
"O Governador do Rio, Martim de Sá, por terem descido por
ordem de El-Rei e sua, mandou, a 21 de setembro de 1628, que se lhes
desse mantimento e ferramenta por espaço de seis meses até os Índios
lavrarem as terras e se poderem sustentar. Dois anos depois, a Aldeia podia
dar 43 carijós, homens válidos, para as obras de defesa do Rio".
 (...)"