Por MARIA ISABEL DE JESUS CHRYSOSTOMO1 - Universidade Federal de Viçosa
O objetivo do trabalho é discutir o aspecto espacial da política administrativa, associando sua criação ao processo de multiplicação de vilas e cidades na província do Rio de Janeiro após a chegada da Corte. Este movimento, analisado à luz da criação e distribuição dos órgãos e funcionários públicos, induz à idéia de que um dos aspectos que caracterizou a formação da rede urbana fluminense relacionou-se ao aperfeiçoamento da sua política administrativa. Tal movimento foi orquestrado pelo Estado em suas diferentes esferas e tinha como alvo a afirmação de seu poder nas mais distantes localidades.
Práticas espaciais, poder administrativo e cidades: algumas questões
Durante o século XIX fundaram-se muitas freguesias, vilas e cidades na capitania, depois província do Rio de Janeiro. Este processo se particularizou em relação às demais regiões devido à força política e econômica desta província na direção dos assuntos do Império.2 A partir de 1840, o poder desta região se amplia em função do papel assumido pela bancada fluminense na condução da política centralizadora.3
Contudo, tanto o poder político e econômico da província não era emanado da mesma forma no conjunto do seu território como ele se transformou ao longo do século XIX. Ou seja, ainda que de forma conflituosa, algumas cidades do Rio de Janeiro, por desfrutarem de maior prestígio político, assumiram o comando administrativo sobre as demais cidades da província. Este comando estava vinculado ao poder das suas elites locais e correspondeu a um processo permanente de reajustamento espacial. Portanto, a construção das fronteiras internas da província vinculou-se a disputa entre as elites locais pela ampliação do seu poder político no território, o que levou ao aparecimento de regiões no interior da província que expressavam o poder dessas elites.
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1 Professora Adjunta de Geografia da Universidade Federal de Viçosa e bolsista da CAPES - Estágio Pós- Doutoral (Processo 4151-09-7).
2 Tal papel, como denunciavam à época os líderes federalistas, a exemplo de Tavares Bastos, estava relacionado ao controle excessivo do poder central (exercido pela bancada fluminense) sobre as rendas e demais assuntos administrativos.
3 Mattos (1987) e Gouvêa (2009) analisam como os saquaremas, a despeito das lutas regionais, conseguiram se afirmar no poder ao longo do XIX, tanto devido aos laços históricos dos políticos fluminenses com a Corte, como assumindo os principais cargos administrativos no período a partir de 1840.
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A formação dessas ―regiões do mandar‖ correspondeu a um processo conflituoso de negociação das Câmaras na Assembléia provincial para a alocação de infra-estruturas, instalação de instituições administrativas e definição de um novo estatuto jurídico e administrativo, notadamente o status de comarca, vila e cidade. Assim, a fundação e a subseqüente definição das fronteiras dos aglomerados urbanos na província do Rio de Janeiro resultaram do processo de reajuste espacial das cidades e regiões, isto é, pela definição do papel político e administrativo assumido pelas diferentes áreas do seu território.4 Portanto, o processo de multiplicação de vilas e cidades não pode ser apenas entendido pelo víeis econômico desta região, isto é pelo bom desempenho da cultura do café, do açúcar e o pelo lucrativo comércio de ―carne humana‖. Oferece-se, assim, a possibilidade de refletir de que forma a política administrativa fluminense constituiu-se como uma variável que contribuiu para o processo de criação das freguesias, vilas e cidades na região e, conseqüentemente, para a consolidação dos poderes intra-regionais.
Pode-se afirmar que a discussão e distribuição das funções e atividades administrativas provinciais e a constituição das fronteiras municipais foi um dos mais importantes aspectos que caracterizou a formação territorial da província. Isso quer dizer que a política administrativa não só teve o mesmo impacto nas diferentes áreas do território fluminense como se constituiu em uma estratégia do governo imperial para levar os ―braços do Estado‖ aos diferentes lugares. Nesse movimento, integrados a uma rede política, os espaços das vilas, freguesias, cidades e comarcas foi particularmente importante como difusores dos interesses dessa nova Nação.
Entende-se, assim, que a formação de rede de cidades no Rio de Janeiro revela uma prática espacial,5 cuja manifestação mais expressiva veio do fato de ter promovido uma maior mobilidade social e política dos representantes do clero, funcionários do Estado, pequenos e grandes comerciantes e fazendeiros. No caso do governo central, a sua prática espacial pode ser visualizada ao se observar como tal agente constrói sua zona de influência, isto é, a sua rede política. Exige-se assim, um acompanhamento de suas decisões administrativas como o sustento dos funcionários, o apoio às atividades econômicas e o processo de regulamentação do uso do solo.
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4 Conforme aponta Mattos (1987), o conjunto de medidas administrativas podem ser entendidos como um exercício de vigilância, controle e representação de estratégias de consolidação de uma política centralizadora que, em muitos casos, devido à escassez de recursos, foi assumida por particulares.
5 O conceito de prática espacial, explorado por H. Lèfevbre (1974), e explicitado por Lobato ( 2001) se refere ao conjunto de dinâmicas sociais que revelam o papel do espaço como sujeito e não apenas como forma.
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Portanto, averiguar em que medida o Estado define uma hierarquia de investimentos socioeconômicos, utilizando-se de critérios administrativos, permite identificar de que maneira alguns atores obtêm privilégios em função de sua localização. Um movimento de dar visibilidade aos agentes da administração como articuladores de um conjunto de práticas espaciais, como a valorização, seleção, desmembramento e remembramento dos espaços. Analisar esse conjunto de práticas, associando ao processo de criação, recriação e sobreposição dos projetos políticos, é um dos parâmetros para se compreender como se forja a idéia de posição geográfica. Para além da idéia de uma localização favorável, a posição de um dado espaço se vincula a necessidade de ampliação do papel político de uma área em relação às demais. Desta forma, em grande parte o discurso de criar redes de estradas para integrar diferentes pontos/cidades no território se constitui como uma estratégia para difundir o poder de determinados espaços, que são considerados centrais em função de um projeto de ocupação. É neste contexto que a idéia de rede se constitui, ou seja, como um movimento de conquista de espaços e de sua transformação em territórios.6
Parte-se, portanto, da idéia de que a criação das vilas, freguesias, cidades, comarcas, distritos etc no território fluminense representam os esforços de disseminação de modelos ideais de racionalização e disciplinarização dos espaços com vistas a consolidação de um determinado poder. Nesse caso, admite-se que a discussão e montagem dos aparatos administrativos no Rio de Janeiro se constituíram em mecanismos para disseminação desse novo modelo de sociedade e de Estado.
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6 Sobre este aspecto, Raffestan (1980) coloca como central o controle de rotas e da população, que se atinge através da construção e desconstrução dos espaços. Isso em sua perspectiva assinala poder que determinados grupos possuem em impor seus projetos sobre os demais. Portanto, identificar como o Estado manifesta o seu poder, instalando e distribuindo seus imóveis e os serviços ―públicos‖ é uma maneira de compreender como uma rede se constitui à medida em que se formam os territórios das cidades.
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Fundação inicial das vilas e cidades na capitania do Rio de Janeiro
A fundação e crescimento das cidades e vilas na Capitania do Rio de Janeiro7 ao final do século XVIII e início do XIX relaciona-se à inserção de Portugal no emergente mercado mundial em crise, o processo de centralização política e econômica, colocado a cabo pelo Marquês de Pombal, que ampliou o número de cidades e vilas no Brasil8, as transformações na estrutura regional, econômica e política pela qual passava o país em função da economia do ouro9 e, por fim, a transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763, que transformou política e economicamente o papel dessa cidade e da sua hinterlândia, dando origem a importantes regiões econômicas no espaço fluminense. O processo secular de ocupação foi caracterizado por intensos conflitos de terras envolvendo índios, posseiros, Igreja, Estado (funcionários da Coroa) grandes e médios produtores rurais. Portanto, resultantes das lutas pela ocupação do solo, os primeiros núcleos populacionais, se constituem em função da inserção militar do Estado, propiciado pelo maior intercâmbio com suas diferentes áreas e pela conquista de muitos territórios. Muitas das primeiras aglomerações urbanas na província associaram-se à abertura das primeiras estradas, como o Caminho Velho no século XVI, que ligava a cidade do Rio de Janeiro a São Paulo e, mais tarde, o Caminho Novo, que assegurou o controle e acesso às Minas Gerais e a futura transferência da sede do governo para a cidade em 1763.10 Associado à economia do ouro, esta dinâmica permitiu o financiamento e a expansão açucareira na antiga Capitania durante o século XVIII e a explosão cafeeira no XIX.11
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7 Lembra Gouvêa (2009) que entre 1808 e 1821 o termo ―capitania‖ e ―província‖ apareciam como sinônimos na legislação , sendo ambos utilizados para distinguir uma dada unidade territorial.
8 Analisada por muitos autores, a política urbanizadora do Marquês de Pombal pretendia garantir um maior controle administrativo e político sobre o território. Esta pode ser sintetizada a partir das seguintes medidas: levantamento cartográfico de grandes extensões do território, criação de Companhias de comércio, resgate de índios, abertura de caminhos, expulsão dos jesuítas, recriação de aulas de engenharia, mudança da capital para o Rio de Janeiro, recenseamentos, elevação do Brasil a Vice-Reinadosos, criação de comarcas e ouvidorias, transformação das fazendas jesuíticas em aldeias de índios, entre outras medidas.
9 De acordo com os estudos de Mafalada Zemella (1951) a economia do ouro da região das Minas teve papel central, pois promoveu a ocupação e o povoamento de várias regiões do Brasil e da antiga capitania do Rio de Janeiro
10 A abertura destas e novas picadas e a intensificação do povoamento em suas margens com ranchos, roças, estalagens e pequenos povoados, foi acompanhado pela instalação de registros, pousos de tropas, estalagens e pequenas casas e postos de fiscalização tributária.
11 Processo que contribuiu para a formação de uma praça mercantil localizada no Rio de Janeiro e, mais tarde, para a consolidação do seu papel político como capital.
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Vilas, Cidades, Comarcas e Caminhos do Rio de Janeiro (XVIII e XIX)
Fonte: Carta da Província do Rio de Janeiro elaborado por Candido Mendes, 1864 e Cartas dos Caminhos de penetração da província fluminense elaborado por Alberto Lamego, 1946.
Ao final do século XVIII e início do XIX em função da maior produção e circulação de produtos na hinterlândia da cidade do Rio de Janeiro, esta se consolida como o principal entreposto comercial, abastecendo várias de suas cidades e vilas, às Minas e, mais tarde, Goiás e Mato Grosso. Neste contexto de afirmação da cidade e de sua região de influência, é preciso questionar como a sociedade colonial vivia e de que maneira se organizava nos núcleos nascentes. Melhor ainda, como as pessoas foram se submetendo as regras e imposições definidas para os novos espaços que foram sendo conquistados. Trata-se de desvendar como o Estado (aí incluindo a Igreja) dissemina o seu poder e de que maneira exerce o controle desta emergente sociedade urbana colonial. Por isso, analisar a face espacial/territorial da política administrativa da Coroa e depois Império brasileiro é um dos caminhos para se enxergar o processo de disseminação das regras sociais e da imposição de um conjunto de disciplinas para estes emergentes espaços urbanos.
A transferência da família Real portuguesa, evento que levou ao crescimento das atividades burocráticas e econômicas na capitania do Rio de Janeiro, é um momento emblemático na história da formação dos territórios das vilas e cidades, já que se caracterizou pelos esforços da Coroa, depois Império, em disseminar o modo de vida ―urbano‖ nos mais distantes lugares.12
A chegada da família Real promove uma série de mudanças de caráter administrativo na cidade e na capitania do Rio de Janeiro, instalando-se inúmeros aparatos burocráticos, com fins políticos, sociais, econômicos e culturais. Tais órgãos possibilitaram à elite política e intelectual do Brasil entrar em contato com os costumes das civilizações distantes e a ter acesso a seu acervo científico e cultural, instaurando-se novas formas de sociabilidade.13 Cabe ressaltar que as relações da cidade e da capitania intensificaram-se com o exterior após a Abertura dos Portos, estabelecendo-se algumas atividades industriais. Com a chegada de estrangeiros de várias partes do mundo, em especial da Inglaterra e da França, após 1815, esta relação se intensifica ainda mais.14
O início do XIX é caracterizado pela progressiva transformação do estatuto político e administrativo dos pequenos núcleos urbanos no Rio de Janeiro, criando-se várias paróquias, freguesias, vilas, cidades e comarcas. Tal processo é acompanhado pela transformação/usurpação das terras dos indígenas e posseiros.15 O Quadro a seguir, ilustra este processo na antiga Capitania/Província do Rio de Janeiro.
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12 Segundo Mota (1998), neste contextoconstruiu-se uma nova imagem de Brasil articulada a dois processos distintos: de internacionalização ao mundo luso-brasileiro, ocorrido a partir de 1807-1808 e o de descolonização do Império português, iniciadocom a insurreição nordestina de 1817 . Esta foi então: ―o ponto de não-retorno e de aceleração do processo de descolização que conduziu à Independencia e à abdicação de Pedro I em 1831, quando se consolidou o Estado Nacional‖ (op. cit. p. 210)
13 Em 1808 criaram-se os serviços de polícia - Intendência Geral de Polícia da Corte e Estado do Brasil - órgãos ministeriais como Ministério do Reino, da Marinha e Ultramar, Guerra e Negócios Estrangeiros, o
Desembargo do Paço, a Junta do Comércio e demais entidades como o Jardim Botânico, a Academia Real de
Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura, a Imprensa Régia, a Escola Médica - Cirúrgica, a Biblioteca Real, o teatro São João entre outros.
14 ―Da Inglaterra, importavam-se produtos manufaturados, de Portugal, comestíveis, louça e peças de uso doméstico diário, da França,artigos de luxo, móveis, bebidas, fazendas, dos portos africanos, escravos, dos Estados Unidos e Buenos Aires, trigo‖. (Reis, op.cit.. p. 325)
15 Neste processo destaca-se a mudança de nomenclatura das aldeias e vilas, que passam a adotar a nome de membros da família real.
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Período | Freguesias | Vila | Cidade |
Antes de 1750 | Rio Bonito, Magé, Iguaçu, Maricá, Santo Antonio de Sá. | São Salvador, Iguaçu, Parati, Santo Antônio de Sá, São João da Barra. | Rio de Janeiro, Cabo Frio. |
1750-1822 | Rio Bonito, Magé, Iguaçu, Maricá,Santo Antonio de Sá. Resende, Capivari, Saquarema, Mangaratiba, Piraí. | São Salvador, Iguaçu, Parati, Santo Antônio de Sá, São João da Barra, Angra dos Reis, Araruama, Nova Friburgo, Cantagalo, Niterói, Resende, Itaguaí, Maricá, Macaé, São João Príncipe. | Rio de Janeiro, Cabo Frio. |
1822-1835 | Rio Bonito, Magé, Iguaçu, Maricá, Santo Antonio de Sá. Resende, Capivari, Saquarema, Mangaratiba, Piraí. Iguaçu, Rio Claro, São Fidélis. | São Salvador, Iguaçu, Parati, Santo Antônio de Sá, São João da Barra, Angra dos Reis, Araruama, Nova Friburgo, Cantagalo, Niterói, Resende, Itaguaí, Maricá, Macaé, São João Príncipe. Barra de São João, Estrela, Piraí, Rio Bonito, Rio Claro, Itaboraí, Mangaratiba, Nova Friburgo, Paraíba do Sul. | Rio de Janeiro, Cabo Frio, Campos, Niterói, Angra dos Reis. |
1835-1850 | Rio Bonito, Magé, Iguaçu, Maricá, Santo Antonio de Sá. Resende, Capivari, Saquarema, Mangaratiba, Piraí. Iguaçu, Rio Claro, São Fidélis. Araruama, Rio Claro, São Fidélis | São Salvador, Iguaçu, Parati, Santo Antônio de Sá, São João da Barra, Angra dos Reis, Araruama, Nova Friburgo, Cantagalo, Niterói, Resende, Itaguaí, Maricá, Macaé, São João Príncipe. Barra de São João, Estrela, Piraí, Rio Bonito, Rio Claro, Itaboraí, Mangaratiba, Nova Friburgo, Paraíba do Sul.Santa Maria Madalena, São Fidelis, Barra de São João, Capivari, Estrela, Pirai, Rio Bonito, Rio Claro, Saquarema. | Rio de Janeiro, Cabo Frio, Campos, Niterói, Angra dos Reis Parati, Macaé, Resende, São J. da Barra. |
Embora nos vinte primeiros anos após a chegada da Corte tenham sido criadas muitas freguesias na capitania, até 1835 somente São Sebastião do Rio de Janeiro (1565) e Cabo Frio (1615) tinham o título de cidade. Quanto às vilas, até 1820 foram criadas apenas cinco, a saber: São João Príncipe (1811), São João de Macaé (1813), Maricá (1814) e Itaguaí (1818).16A fundação das primeiras freguesias, vilas e cidades está relacionada aos processos de longa duração iniciado pelo poderoso ministro do rei D. José I -Marquês do Pombal- no século XVIII. Conforme analisam Reis Filho (1968) e Delson (1997), a política pombalina, que visava a partir da fundação de vilas e cidades instaurar uma nova forma de ocupação do território colonial tinha como objetivo a laicização e a maior racionalização. Na antiga capitania, as bases teóricas deste processo vigoraram nas duas primeiras décadas do século XIX, pois se adotaram praticamente os mesmos princípios de ocupação, sobretudo aqueles ditados para o Diretório dos Índios.17 Marca este período o estabelecimento de um programa inicial de colonização das terras fluminenses com a participação de imigrantes estrangeiros. Tal proposta, que objetiva fomentar a produção em pequenas propriedades, redundou na criação da colônia de Nova Friburgo em 1818 e de experiências de colonização na Fazenda Nacional de Santa Cruz (uma das mais importantes fazendas dos padres jesuítas no século XVIII) com a introdução de chineses provenientes de Macau (1815), de portugueses do Minho (1817), e de espanhóis (1815) como apontam estudos de Fridman (2002).
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16 Cabe aqui ressaltar que muitas das vilas criadas na capitania do Rio de Janeiro foram aldeias de índios, sob domínio dos jesuítas. Após a sua expulsão, estas ficaram a cargo dos padres seculares, como foi o caso de São João de Macaé, anteriormente aldeia Nossa Senhora das Neves do Macaé, Itaguaí, anteriormente denominada São Francisco Xavier do Itaguaí. Na província estima-se que existiram 15 aldeamentos que foram criados no século XVIII. Estes, no século XIX foram transformados em vilas e depois cidades.
17 Conforme descreve Flexor (2004), o Diretório Índios, constituiu-se num conjunto de normas que objetivavam criar um novo sistema de controle sobre o trabalho e as terra dos índios. Dava fim, portanto, ao poder temporal, outrora ocupado pelos padres jesusítas passando os índios a serem administrados por padres seculares.
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Com a Independência em 1822, intensificam-se os esforços para controlar os municípios, que na legislação colonial poderiam ser tanto as vilas como as cidades. Tal processo foi caracterizado pelo maior investimento cientifico do Estado Imperial no conhecimento da Capitania/Província do Rio de Janeiro18 e pela criação de um conjunto de leis e instrumentos que visavam à normatização dos espaços das Câmaras (municípios), assim como o das freguesias, distritos e comarcas.
Em um ambiente geográfico em que os denominados sertões ainda eram habitados por índios e posseiros, a idéia que prevalecia era o de disciplinar o uso da terra. Por isso, de diferentes maneiras, muitas ações foram promovidas pelo Estado (Igreja) no sentido de criar freguesias em áreas que apresentavam algum tipo de interesse.19 Com isso, um dos impactos dessa política foi aperfeiçoamento das formas de controle dos aldeamentos, que até então estavam sob custódia do Estado Imperial.20 Apesar de pouco explicito em termos de uma política de povoamento, evidencia- se o esboço de um programa de ocupação, que tinha como objetivos disciplinar a mão de obra indígena e articular, através de estradas, as diferentes áreas da província. Tal política, no entanto, estava cimentada nos princípios de unificar a nascente Nação, considerada heterogênea física e socialmente para os intelectuais e políticos do Império. Portanto, como no pensamento de José Bonifácio, uma das mais importantes figuras da geração de 1820 e 1830, essas e outras propostas visavam tornar o Brasil mais ―homogêneo e compacto‖.
No que refere aos espaços das cidades e vilas, muitas das idéias de José Bonifácio assemelham-se as do Marquês do Pombal, entre elas: transformar as aldeias indígenas em cidades e vilas, criar um outro estatuto jurídico para a terra contemplando a pequena propriedade, fundar núcleos coloniais e, finalmente, mercados e feiras em espaços estratégicos. Este programa tinha como idéia de fundo eliminar paulatinamente a escravidão e promover a mestiçagem, elementos que proporcionariam à elevação do Brasil a esfera de uma Nação civilizada.
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18 Realizado por missionários, cientistas, exploradores, viajantes, com ou sem a participação da Coroa
19 Tal processo ocorria tanto em áreas que eram consideradas economicamente dinâmicas, naquelas em que os cnflitos de terra eram expressivos, ou nas que eram habitadas por índios.
20 Em 1798, com o fim das diretrizes do Diretório dos Índios, suas terras passaram a ser administradas pelo Estado, através dos Ouvidores da Comarca. De 1833 até 1845 a função de gerir o patrimônio dos índios ficou sob a responsabilidade dos Juízes de Órfãos, passando a partir desta data a ser administrada pelo Regulamento das Missões, que criou o Diretório dos Índios. Inúmeras denúncias marcaram o processo de administração das terras dos índios, principalmente aquelas que registram a usurpação do patrimônio indígena e sua conseqüente expulsão. Cabe ainda mencionar que este processo foi substanciado através de estudos e relatórios elaborados pelos intelectuais do IHGB. 99
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Com a promulgação do Regimento dos Municípios em 1828, se estabelece um conjunto de idéias sobre a administração das áreas municipais, que revelam uma preocupação mais racional de controle das terras urbanas.21 Na opinião de Marx (1991), apesar deste Regimento ter se deparado com uma estrutura administrativa herdada do período colonial e em um ambiente no qual a questão da terra estava indefinida, deixou reflexos importantes na maneira como a terra urbana passou a ser concedida.22 Demonstrando velhas e novas questões relacionadas ao acesso e uso do solo, como o povoamento, a instalação de infra-estrutura, o incremento econômico, o controle da população e a disseminação de um modelo de civilização, esta Lei expressou um conjunto de intenções que revelaria o novo papel assumido pelo Estado.23
Neste cenário, outra medida que alterou o papel dos municípios foi à promulgação do Código de Processo Criminal em 1832. Este Código garantiu maior poder as municipalidades ao ter proposto a criação da figura do juiz de paz - eleito pelos cidadãos - e o júri. Contudo, em um contexto marcado por conflitos regionais e pela força política dos liberais, dois anos mais tarde foi promulgado o Ato Adicional de 1834, criando as Assembléias Legislativas, que diminuíram o poder das Câmaras, pois passaram a ter o poder de arrecadar e gerenciar as rendas dos entes municipais. 24. Do conjunto de propostas que tiveram participação dos moderados, 25 grupo responsável pela elaboração daquele Ato, destaca-se a ampliação do poder das entidades regionais e de suas elites.
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21 Há que se mencionar que na Constituição de 1822, a administração do território das províncias e municipios é assinalado nos Capítulos I e II. No que se refere as Câmaras, as suas atribuições aparecem nos artigos 167, 168 e 169, as quais ficam desiganadas o papel de gerir a economia das cidades e vilas a partir de um corpo de vereadores. No artigo 169 é indicado que as suas funções municipais, posturas policiais, aplicação de suas rendas e demais particularidades seriam decretadas por uma Lei Regulamentar.
22 Tais mudanças se expressariam até na maneira como as cartas e mapas passaram ser representadas, sendo adotada uma nova racionalidade que denotaria o movimento de separação do público e do privado. Outro
aspecto apontado foi aquele relativo às novas normas de definição do arruamento, do alinhamento e do nivelamento das vias, largos e jardins, que se tornaram exigências do poder público para exibir seus controles policial, tributário e espacial.
23 Marx (op.cit.) vai assinalar que este aspecto é visível na forma como as cidades serão erigidas e na maneira como os equipamentos públicos passarão a ser distribuídos nos seus espaços. Aponta que os centros dessas cidades vão ter o mesmo padrão urbanístico, implantados ―em suaves declives, com planta em tabuleiro de xadrez e dominado pela igreja matriz e seu largo, apresentado feição típica de fundações de um outro tempo, da República, do Estado que se remodelava, agora separando a Igreja, e de um outro sistema de aquisição e de transmissão da terra, agora já assentado e triunfante‖. (op.cit.: 106).
24 Gouvêa (op cit) assinala que a Lei das Câmaras aboliu as estruturas herdadas do período colonial, garantindo um certo nível de autonomia local ao assegurar a eleição dos juízes locais. Contudo, a autonomia dos municípios foi alterada com a promulgação do Ato Adicional (1834) e pela Lei de Interpretação do Ato em 1837. Ainda assim, esta Lei permaneceu durante todo período imperial a ser a principal referência em termos de organização politico administrativa dos munícipios.
25 Do grupo dos moderados destacava-se Evaristo da Veiga, o padre Diogo Antônio Feijó, Honório Hermeto e
Bernardo Pereira de Vasconcelos.
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Esta medida promoveu uma regionalização do poder, concorrendo para que vários municípios se manifestassem contrariamente, 26 (Alencrasto, 1997).
Com o Ato de 1834, a província do Rio de Janeiro ganhou a sua autonomia política, sendo criada a sua Assembléia Legislativa.27 Este evento teve um impacto direto nas cidades e vilas, uma vez que se difundiram muitos dos órgãos administrativos responsáveis pela gestão do território fluminense. Contudo, o processo de criação e difusão dos órgãos de administração foi marcado por intensos debates sobre o papel do Estado e da sua Administração. Nestes, participaram influentes políticos do Império, sendo formuladas várias propostas de administração provincial.
Os debates sobre Direito Administrativo, 28 Direito Público e Estado foram protagonizados por Visconde do Uruguai,29 Joaquim José Rodrigues Torres - Visconde de Itaboraí,30 Bernardo Pereira de Vasconcelos e demais líderes políticos e intelectuais. O arranjo institucional proposto por esses políticos visava ampliar o alcance do Estado nas mais diferentes localidades.31
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26 Sobre tal processo, é importante assinalar a análise de Gouvêa (2009), afirmando que os municípios tiveram seu poder diminuído, pois ficaram submetidos ao poder das Assembléias legislativas, pois os juízes de paz passaram a ser designados pelo presidente da província.
27 O Ato Adicional de 1834 ao criar a província do Rio de Janeiro, separou o territprio correspondente da cidade do Rio de Janeiro, transformando-o em Município Neutro. Antes a cidade e a província eram administradas pelo Ministério do Império.
28 Mattos (1987) compreende que um dos subterfúgios empregados pelos conservadores para justificar as ações de um Estado centralizador era a idéia de que uma política administrativa era neutra e científica. Esta, por sua vez, se distinguia de uma proposta de centralização governamental. Daí a sua defesa na decomposição do poder executivo, que deveria ser forte e a constituição do que o autor denominou de ―Poder Administrativo‖. No poder forte o Imperador reina, governa e administra, ou seja, a sua consolidação reflete a capacidade de expansão do poder regulatório e a sua existência é garantida a partir da criação de um ―poder administrativo‖. Neste sentido, a idéia de um caráter apolítico da administração pública estava ligada à própria constituição e fortalecimento do Estado, o que lhe permitia ―ser o um elemento da conservação e progresso acima das disputas políticas e das agitações revolucionárias que atingiam o Poder Político‖. (op. cit. p. 197)
29 Pertencente à nova geração de políticos que se afirmou no poder por meio de alianças com os grandes proprietários rurais, o visconde de Uruguai teve uma destacada atuação, ao mediar disputas e solucionar, em
parte, os conflitos políticos que colocavam em risco a unidade da nação.
30 Figura forte do Império, o Visconde de Itaboraí, primeiro presidente da província, formou-se em Coimbra, e exerceu a profissão de magistério, jornalista político, matemático, além de ter sido Ministro do Estado, Deputado e Senador.
31 Os saquaremas representavam os líderes conservadores da bancada fluminense que foram os principais defensores da politica imperial em sua fase centralizadora. Esses líderes, articulados em torno da defesa da economia do café e da escravidão, ocuparam os principais cargos no Conselho de Estado, no Senado, no Corpo diplomático ou na mais alta direção administrativa da Província do Rio de Janeiro na qualidade de presidente. Ademais, também assumiram cargos públicos de segundo e terceiro escalões, constituindo as camadas médias urbanas em muitas localidades fluminenses.
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Portanto, ressalta-se, que a construção das fronteiras internas do território da província, isto é a criação de vilas e cidades, foi acompanhado tanto pela discussão e construção do modelo de Estado considerado ideal para os políticos que detinham o poder, como pela montagem de suas estruturas de gestão. Um processo que se caracterizou pela permanente discussão sobre as atribuições dos governos locais, regionais e central.32 Por outro lado cabe assinalar que neste contexto a província incorpora em seu território importantes áreas no lado ocidental e norte. Com isso, passam a fazer parte do Rio de Janeiro, Parati,33 à época um dos mais significativos centros produtores de açúcar, depois café, e Campos e São João da Barra em 1832, a mais importante área produtora do açúcar.
O ano de instalação da Assembléia34 foi também aquele que deu nascimento as cidades de Angra dos Reis, Campos dos Goitacases e Niterói, assim como a de uma nova redefinição espacial das suas Comarcas, que de seis passaram para oito.35 A divisão interna do território fluminense se acelerou a partir de então. De 1835 a 1850, criaram-se dezessete cidades, assim como várias vilas. A partir de 1850, o movimento mais observado foi o de elevação de vilas em cidades. Tal estratégia ocorria provavelmente em função da maior importância política das cidades em relação às vilas, uma vez que tal título conferia a possibilidade de uma maior representação dos interesses das localidades junto à Assembléia.36
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32 Destacam-se as seguintes preocupações: a que procurava definir o que seriam serviços municipais, provinciais e centrais, as referentes as despesas com o pagamento dos funcionários e, finalmente, como estes
serviços iriam ser distribuídos.
33 Parati estava sob jurisdição da província de São Paulo e Campos e São João da Barra antes integrado ao
Espírito Santo.
34 Conforme determinação do Ato Adicional de 1834 e a Carta de Lei datada de 28 março de 1835 assinada pelo primeiro presidente da Província do Rio de Janeiro Joaquim José Rodrigues Torres. A partir de então elevaram-se à condição de cidade as vilas Praia Grande, com o nome de cidade de Nictheroy, Sam Salvador dos Campos, que passou a ser ―Cidade de Campos dos Goytacazes‖ e ―Ilha Grande, denominada Angra dos Reis. Tal medida tornou a vila de São Salvador cabeça de uma nova Comarca.
35 A Assembléia Provincial se reuniu pela primeira vez em Niterói, cidade que foi escolhida para ser a sede da capital da província do Rio de Janeiro.
36 O porquê somente três vilas são elevadas em 1835 a categoria de cidade explica-se em parte pela influência política e econômica destas vilas (das suas elites políticas). Campos foi a principal área produtora de açúcar do Brasil e até 1830, tal produto era o item mais importante da sua pauta de exportação. Angra, assim como Mangaratiba e Itaguaí, foram as primeiras regiões produtoras do café. Niterói era pela proximidade com a Corte e, também, em função dos seus engenhos, uma área sobremaneira estratégica.
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In:
LIBBY, DOUGLAS COLE, (ORG.). CORTES, CIDADES, MEMÓRIAS: TRÂNSITOS E
TRANSFORMAÇÕES NA MODERNIDADE. / ORGANIZAÇÃO DE DOUGLAS COLE
LIBBY. – BELO HORIZONTE: CENTRO DE ESTUDOS MINEIROS, 2010. VI P.; 217P.
COLÓQUIO INTERNACIONAL/X SEMINÁRIO DE ESTUDOS MINEIROS ―CORTES, CIDADES, MEMÓRIAS: TRÂNSITOS E TRANSFORMAÇÕES NA MODERNIDADE‖
ISBN:978-85-98885-95-7